domingo, 30 de janeiro de 2011

Bem Sei, Amor, que é Certo o que Receio

Bem sei, Amor, que é certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.

A mão tenho metida no meu seio,
E não vejo os meus danos às escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.

Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

Jurando de não Mais em Outra Ver-me

Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De um naufrágio cruel saindo a nado,
Só de ouvir falar nele está medroso;

Firme jura que o vê-lo bonançoso
Do seu lar o não tire sossegado;
Mas esquecido já do horror passado,
Dele a fiar se torna cobiçoso;

Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de não mais em outra ver-me;

Com a alma que de vós nunca se ausenta,
Me torno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tão perto de perder-me.

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"